Apesar de uma pequena melhora nos últimos anos, a cobertura do saneamento básico no Brasil ainda é muito precária, o que demanda mais esforços dos setores público e privado visando suprir o déficit. Esse foi um dos pontos tratados na audiência pública que a Comissão de Meio Ambiente (CMA) realizou nessa quinta-feira (16). O senador Confúcio Moura (MDB-RO), que conduziu a reunião, lembrou que o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) prevê a universalização dos serviços até 2033, mas, segundo ele, tudo indica que essa será mais uma meta descumprida no Brasil.
Pelo menos metade da população sofre com problemas de saneamento básico. Dados oficiais indicam que 40 milhões de famílias não têm sequer um banheiro dentro de casa. E dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento indicam mais de 100 milhões de brasileiros sem acesso à coleta de esgoto e 35 milhões sem água tratada denunciou o senador.
Além dessa péssima situação, Confúcio Moura chamou a atenção para as desigualdades regionais, que também marcam esses índices. O senador chamou de "caótica" a situação hoje em muitas cidades do Norte e Nordeste. E fez questão de reiterar que os cinco piores índices de coleta de esgoto estão em cidades do Norte: Santarém, Porto Velho, Macapá, Belém e Rio Branco. Visando melhorar essa situação, ele defende que o ritmo de concessões no setor e o envolvimento maior do BNDES no financiamento de projetos estruturais seja mais priorizado a partir de 2024.
Mais números ruins
Elcires Freire, que coordena um MBA em Saneamento Básico na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), defende que o governo e o Parlamento avancem na regulamentação do setor. Ele também entende que o Brasil precisa desenvolver uma política visando atender de fato as chamadas "habitações subnormais".
Mais de 30 milhões de pessoas não têm água tratada; mais de 74 milhões não têm sequer coleta de esgoto. Em resumo, o desafio do Brasil é levar o saneamento a essas habitações "subnormais" sugere o especialista.
Representando o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), o coordenador-geral de Planejamento e Políticas de Recursos Hídricos, Alexandre Saia, constatou o quadro catastrófico na Amazônia. A coleta e o tratamento de esgoto beneficiam apenas 15% dos moradores dessa região.
A ausência desse mínimo em saneamento básico significa piores condições de saúde e da vida como um todo para dezenas de milhões de pessoas admitiu o representante do governo.
Ele alegou que a pasta herdou, para 2023, um orçamento longe de atender as grandes necessidades do país. No que tange à revitalização das bacias hidrográficas, por exemplo, foram apenas R$ 23 milhões para atender 5.565 municípios. Para o coordenador, a consequência é a pulverização das políticas públicas, que necessariamente passam a ser muito focadas e com projetos de efetividade apenas local.
A participação privada
Ilana Ferreira, que representou a Associação das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgoto (Abcon), disse que a abertura do setor para maiores investimentos privados nos últimos anos e um foco maior do BNDES para a área têm causado uma melhora nos índices nacionais. Mas ela defende que as metas de universalização só podem ser atingidas se o poder público, nas três esferas, passar de fato a priorizar o saneamento básico.
De acordo com os dados apresentados, entre 2013 e 2023, por exemplo, houve um aumento de 292% de cidades atendidas pela iniciativa privada. Ilana acrescentou que, nos últimos 3 anos, foram realizados 37 leilões em 18 estados, com R$ 101 bilhões de investimentos contratados e outorgas. Segundo ela, a consolidação do modelo das PPPs (parcerias público-privadas) também tem ajudado, com 21 contratos de PPPs no saneamento básico, que beneficiriam 16 milhões de consumidores.
Mesmo num cenário de pandemia, a abertura do Marco Legal para mais investimentos privados fez os investimentos como um todo crescerem 15%. E no que tange a investimentos exclusivamente feitos pelas empresas privadas, os investimentos cresceram 46% informou a superintendente técnica da Abcon.
Miséria e racismo
Ilana explicitou que o acesso ao saneamento básico reflete as desigualdades estruturais históricas que marcam o Brasil. Citando os dados mais recentes do IBGE, ela mostra que, entre as pessoas que não estão conectadas à rede de água, 75,3% vivem com até um salário mínimo.
Já quanto ao acesso à rede geral de esgoto, 74% das pessoas que não estão conectadas têm rendimento mensal abaixo de um salário mínimo. A superintendente da Abcon acredita ainda que o racismo estrutural também deixa sua marca nessa área, pois o número de negros, pardos e indígenas fora da rede chega a ser o dobro, em algumas regiões, se comparado aos brancos sem acesso.
Para ela, uma parte especialmente dramática do cenário brasileiro no saneamento básico se reflete no impacto às crianças.
Do total das pessoas que não estão conectadas à rede de abastecimento, 20% têm menos de 12 anos. E entre esses menores que não estão ligados à rede de água, 87% vivem em famílias com rendimento per capta menor que um salário mínimo disse.
A representante da Abcon apresentou estudos da entidade apontando que o Brasil poderia gerar 3,6 milhões de novos postos de trabalho até 2033, caso as políticas de universalização de saneamento fossem de fato seguidas à risca.
Fonte: Agência Senado